Saturday, November 8, 2008

Carta aberta

Numa arrumação de ficheiros no computador encontrei esta carta, escrita numa tarde em que era suposto estar a descansar antes de ir fazer um turno da noite, em Junho de 2007. Foi uma carta escrita de seguida, muito espontaneamente, após ler um livro que descrevo como inspirador: Do outro lado da bata, de Teresa Gomes Mota.
É uma carta nunca enviada e esquecida por mim... até hoje. Revejo-me (total e dolorosamente, nos últimos tempos) nas minhas palavras, nas minhas dúvidas e nas minhas angústias de há um ano e meio.
***
Cara Teresa,

não nos conhecemos mas ainda assim ouso tratá-la pelo seu primeiro nome porque hoje me sinto muito próxima de si.
Sou enfermeira há onze meses, num hospital público de Lisboa, num serviço de Medicina Interna. Hoje é terça-feira, vou fazer noite. Fui almoçar fora, passei numa livraria antes de vir para casa, descobri o seu livro por acaso, comprei-o… e devorei-o.
A ideia era ler um pouco antes de dormir, para descansar antes de ir trabalhar, mas não consegui parar e li-o de uma ponta à outra.
A empatia que senti consigo e com a sua experiência é incrível, e frequentes vezes as lágrimas me obrigaram a parar antes de continuar a ler.
Pode parecer pretensão… que teremos nós em comum, uma médica tão experiente e uma enfermeira recém-licenciada? Tanta coisa… pelo menos é o que penso após ler o seu livro.
Dei comigo a achar que também eu sou um “patinho feio”, uma idealista. Adoro ser enfermeira, tenho a certeza que não seria feliz se não fizesse o que faço… mas não tenho espaço, tempo ou oportunidade de ser “toda” a enfermeira que sinto que posso ser, que tenho cá dentro.
Enquanto a formação médica foi e continua a ser muito baseada num modelo biomédico, a formação dos enfermeiros evoluiu no sentido de nos fazer olhar os doentes como seres biopsicossociais, em todas as suas dimensões. A Teresa, por ser quem é e ter desenvolvido um determinado percurso, chegou também a essa visão da pessoa doente, a essa forma de entrar em relação com o outro, e destacou-se dos seus colegas. Eu, como tantos outros enfermeiros, fui formada de raiz nesse ideal e dói-me ser largada numa realidade em que o que continua a contar é o diagnóstico e o tratamento, e em que o enfermeiro é constantemente remetido à qualidade de mero executante técnico. E eu sinto-me tão mais que isso…
Mas do outro lado da minha farda também há alguém que continua a sonhar…
Obrigada por, com as suas palavras, me ter ajudado a lembrar quem sou e o que quero ser e por me fazer sentir menos sozinha nesta luta.
Desejo-lhe as maiores felicidades em todos os seus projectos, pessoais e profissionais.

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