Wednesday, December 17, 2008

Olhá-la, deitada na cama, e não a ver a ela mas a outro alguém, muito meu. Nunca pensei que fosse tão difícil cuidar assim. A projecção é inevitável e encará-la, embora me faça sangrar por dentro, é uma aprendizagem que preciso fazer. Que quero fazer.
Falou-me com saudade da vida sonhada que a doença lhe roubou, falou-me da filha de 24 anos (haverá coincidência mais cruel?), do marido que nunca a abandonou, da mãe e do pai, que eu conheci, e que continuam a ser um porto seguro.
Reconheci-lhe uma familiar vida interior, acorrentada a um corpo que não quer responder, a mesma força de vontade e a mesma boa disposição que vencem todas as adversidades mas não impedem os olhos de ficar húmidos quando se confrontam com uma nova incapacidade.
Queria abraçá-la com força, dizer-lhe o quanto é amada, o quanto o seu espírito jovem permanece vivo aos meus olhos, o quanto continua a ser bonita e o quanto é uma benção estar a seu lado... queria chorar com ela, dizer-lhe nunca estará sozinha, consolá-la do fardo com que vida tão injustamente a castigou.
Mas a verdade é que a minha vontade de consolo vai muito além daquele quarto e daquela doente. A empatia com o seu sofrimento não podia ser mais sincera, mais vivida... ao mesmo tempo que vê-la assim me assusta e me dá vontade de negar que algum dia alguém que amo tanto possa estar na mesma situação. Mas pode. Certamente irá. E por mais esclarecida que esteja não estou preparada para esse dia. Acho que nunca estarei... acho que nunca estaremos.

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