Thursday, October 23, 2008

Sou acordada pela televisão que ilumina o quarto num filme a preto e branco em que uma jovem gótica passeia um caniche cheio de fitinhas no pêlo. Lá fora chove e a rua está deserta, à excepção de ti, que esperas na esquina, sob o candeeiro que pisca, e olhas na direcção da minha janela, sem mudar de expressão ou fazer qualquer gesto. O tempo parece suspenso noutra dimensão, eu visto uma roupa que me faz parecer acabada de sair de um baile de gala do século XVIII e desço as escadas em caracol a correr para te encontrar. Mas quando chego a rua está repleta de uma multidão que canta em coro “the man who can’t be moved”, há fotógrafos por todo o lado e os flashes encandeiam-me sem que consiga alcançar o sítio onde te havia visto. De repente surge uma ventania, um helicóptero que nos sobrevoa baixinho e despeja sobre as nossas cabeças uma chuva de papelinhos prateados. A lua parece uma gigante bola de espelhos. Sem dar por isso, dou por mim absolutamente sozinha na rua deserta. Ouço passos e surpreendo-me ao ver a jovem gótica com o seu caniche a passar do outro lado. “Boa noite”, diz ela. “Boa noite”, respondo incrédula. Uma chuva miudinha recomeça a cair e sem saber de onde ele aparece, abro um guarda-chuva às bolinhas vermelhas e sigo descendo a rua que parece não ter fim. Vejo-me entretanto da janela do quarto, afastando-me lentamente, como se não fosse eu. E vejo-te depois a correr na minha direcção, como se da esquina onde esperavas tivesses finalmente reparado em mim. Esboço um sorriso, fecho a janela, desligo a televisão e o candeeiro e adormeço serena, pois agora sei que estás comigo e vai ficar tudo bem.

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