Wednesday, May 23, 2007

Uma história...

Ela tem mais de 90 anos, ele mais de 70... Foram ambos deixados numa urgência hospitalar. Sem morada, sem telefone, sem o nome de alguém de referência. Estiveram lá alguns dias até a sua presença se tornar insustentável naquele serviço. Foram transferidos para enfermarias. São mãe e filho. Ela anda, é praticamente auto-suficiente, sabe o que diz. Ele está acamado, confuso, agitado, imobilizado. Alguém a leva a visitar o filho. Ele não a reconhece. Ela chora, ajeita-lhe ternamente a dobra do lençol e beija-lhe a face, como se ele fosse ainda a criança de quem ela pôde cuidar em tempos. Mãe e filho são mais tarde transferidos para um lar de terceira idade.

Que vida é esta, a dos nossos idosos? Que dignidade para eles? Outrora filhos, hoje pais e avós... ou apenas solitários. Muitas vezes, tudo ao mesmo tempo...


"Parado e atento à raiva do silêncio

De um relógio partido e gasto pelo tempo

Estava um velho sentado no banco de um jardim

A recordar fragmentos do passado


Na telefonia tocava uma velha canção

E um jovem cantor falava na solidão

Que sabes tu do canto de estar só assim

Só e abandonado como o velho do jardim?


O olhar triste e cansado procurando alguém

E a gente passa ao seu lado a olhá-lo com desdém

Sabes eu acho que todos fogem de ti prá não ver

A imagem da solidão que irão viver

Quando forem como tu

Um velho sentado num jardim


Passam os dias e sentes que és um perdedor

Já não consegues saber o que tem ou não valor

O teu caminho parece estar mesmo a chegar ao fim

Para dares lugar a outro no teu banco do jardim


O olhar triste e cansado procurando alguém

E a gente passa ao seu lado a olhá-lo com desdém

Sabes eu acho que todos fogem de ti prá não ver

A imagem da solidão que irão viver

Quando forem como tu

Um resto de tudo o que existiu

Quando forem como tu

Um velho sentado num jardim" (Velho, Mafalda Veiga)

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